Île de la Cité, onde tudo começou
Fico imaginando que a Île de la Cité deve ser o primeiro lugar que a maioria das pessoas vão visitar quando chegam em Paris. também são tantos monumentos, prédios históricos, beleza e imponência reunidos em um pedaço pequeno de terra que dá para pensar isso mesmo.
E foi nessa pequena ilha no rio Sena que Paris começou. Um livro que gosto muito, A História Secreta de Paris, de Andrew Hussey conta bem esse começo, com uma visão diferente, sob o ponto de vista dos “ladrões, vigaristas, cruzados, santas, prostitutas, déspotas, anarquistas, poetas e sonhadores”. Fiquei sabendo desse livro em uma revista de avião entre as inúmeras vezes que fiz o trecho Curitiba-São Paulo e pela descrição logo me interessei. Recomendo a leitura para todos aqueles que, assim como nós aqui em casa, são apaixonados por essa cidade de incontáveis adjetivos.
No livro, Hussey conta que nunca houve um período em que esse centro geográfico de Paris não tenha sido ocupado. O lugar era uma base fixa para os povos pré-celtas e depois para os próprios celtas, entre eles uma tribo chamada parisii que reverenciava a água e por isso acreditavam que o rio Sena, que na época era duas vezes mais largo que agora, possuía propriedades mágicas.
Os romanos que conquistaram a tribo em 54 A.C deram o nome para o lugar de Lutécia, derivado provavelmente de Louk-tier ou Louk Teih, que em celta significava algo como lugar de lama e pântano. Em 360 DC, o imperador romano Juliano descreveu assim a cidade: “Lutécia é como os celtas chamam a pequena cidade fundada pelos parísios, que na verdade não é nada além de uma ilha cercada de água por todos os lados e com pontes de madeira a cada margem.” O nome Paris surgiu justamente sob o governo de Juliano que a chamou de Civitas Parisiorum, a cidade dos parísios.
Bom, essa pequena cidade lamacenta passou por muita história, e também influenciou a história da humanidade, até virar a Cidade Luz que causa tanta admiração.
Para visitar os muitos monumentos da Île de la Cité há diversas opções de metrô. Assim como para visitar qualquer lugar de Paris, verdade seja dita. A estação de metrô Citê (linha 4) fica bem no meio da ilha. Outras estações muito próximas são Hôtel de Ville (linhas 1 e 11), Châtelet (linhas 1, 4, 7, 11 e 14), Pont Neuf (linha 7) que ficam à margem norte do Sena, e na margem sul, a Saint-Michel Notre Dame (linha 4 e RER B e C). Dá para escolher.
A Île de la Cité vai do Parque Square du Vert-Galant, pertinho da Pont Neuf, até o Mémorial des Martyrs de la Déportation, logo atrás da Notre-Dame. Mas não começaremos a descrever a ilha pela mundialmente famosa Igreja – esse post foi escrito antes do triste incêndio 🙁
Vamos começar pela simbólica Pont Neuf, bem na pontinha da Ilha. Essa é a ponte mais antiga do Sena, apesar do nome (Neuf significa novo em francês). Ela é também uma das pontes mais famosas de Paris e ponto obrigatório para casais românticos tirarem fotos. Há até um filme chamado Les amants du Pont-Neuf (Os Amantes da Pont Neuf) de 1991 com Juliette Binoche. O filme conta a história do relacionamento de dois sem-teto que possuem como moradia essa ponte, já que seus arcos servem como abrigo para muitos andarilhos na vida real.
Continuando em direção à Notre-Dame, chegamos ao Palais de Justice, um belíssimo conjunto de prédio construído onde antes ficava o o antigo Palais de la Cité, o palácio real de alguns reis de Paris e que foi parcialmente destruído em 1358 durante a revolta dos comerciante de Paris. Essa imponente construção serve como tribunal de justiça desde a Idade Média. Durante a Revolução Francesa, ele serviu como Tribunal Revolucionário e agora é a sede da mais alta jurisdição do país, a Corte de Cassação.
O Palais de Justice traz alguns números impressionantes. Ele ocupa uma área de 200.000m². No seu interior há 7.000 portas e corredores que fazem um total de 24 kilômetros, além de possui mais de 3.150 janelas!
Fazem parte da construção a Sainte-Chapelle e as torres da famosa Conciergerie, que são na verdade vestígios ainda do antigo palácio real. A Conciergerie foi a última prisão de Maria Antonieta, famosa pela frase “Que eles comam brioches”. Frase dita ao saber que os camponeses não tinham pão. Embora essa frase seja o maior carrasco na lembrança de Maria Antonieta, não há registros históricos de que ela tenha mesmo dito isso. Bom, o fato é que, mesmo havendo controvérsias sobre a autoria da infeliz citação, Maria Antonieta acabou de fato perdendo a cabeça na guilhotina em 1793.
Me lembro do meu professor de francês, uma figura cômica que costumava tirar sarro das situações tanto da França quanto do Brasil. Conversávamos sobre muita coisa e inclusive sobre Maria Antonieta. Quando lançaram o filme sobre a vida dela em 2006, ele reclamou bastante dizendo que a atriz que a interpretava, Kirsten Dunst, nunca conseguiria reproduzir toda a personalidade da rainha e a importância que ela teve para a história da França, rs.
Outros prisioneiros famosos também passaram pela Conciergerie, tendo o mesmo fim que a rainha, incluindo o pai da química moderna e descobridor do oxigênio Antoine Lavoisier e Robespierre, uma das figuras mais importantes da Revolução Francesa.
A Conciergerie é aberta para visitação todos os dias entre 9:30 e 18:00. O ingresso custa 9,00 euros. Dá para comprar combinado com a visita à Saint-Chapelle, nesse caso o ingresso sai por 15,00 euros. A entrada é gratuita para menores 18 anos e para menores de 25 anos residentes da U.E. A visita também é gratuita as Jornadas Europeias do Patrimônio que ocorrem no terceiro fim-de-semana de Setembro, e no primeiro domingo dos meses janeiro, fevereiro, março, novembro e dezembro.
Em uma das torres da Conciergerie fica o relógio mais antigo de Paris, datando de 1371, quando o rei Charles V mandou que fizessem um relógio público para os cidadãos que não podiam comprar um relógio, algo muito caro na época.
O relógio já foi restaurado várias vezes, sendo a mais recente em 2012.
Próximo ao Palais de Justice, fica outro lindo e imponente prédio que é a Préfecture de Police, sede da unidade do Ministério do Interior da França e local que presta serviços administrativos, emergenciais, e como o próprio nome indica, serviços policiais para a cidade. Como Paris não tem sua própria polícia municipal, é a polícia nacional que presta esses serviços para a população.
Ao lado da Préfecture de Police, na Place Louis-Lépine, ocorre o Marché aux Fleurs et Oiseaux, agora chamado de Marché aux Fleurs Reine Elizabeth II. O mercado existe desde o início do século XIX e consiste basicamente de barracas com muitas flores e pássaros, como o antigo nome diz. As flores são lindas de se ver, mas confesso que não gostei dos pássaros enjaulados. Muitos pássaros espremidos em pequenas gaiolas. Não tem como não sentir tristeza por eles. O mercado abre de segunda a sábado para as flores e aos domingos para os pássaros, sempre entre 8:00 e 19:00.
Atravessando a Rue de la Cité, temos o Hôtel-Dieu, o hospital mais antigo de Paris, fundado em 661. A arquitetura atual é, digamos mais nova que sua fundação, de 1877. Atualmente o Hôtel-Dieu é um dos maiores centros europeus de pesquisa em saúde pública, epidemiologia e bioestatística.
Trabalhei uma época com uma parisiense que já havia trabalhado no Hôtel-Dieu e nunca havia entrado na Notre-Dame, que se não bastasse sua fama mundial, ainda fica praticamente em frente ao hospital. Mas até que dá para entender, para quem mora em Paris, todos esses monumentos imponentes e históricos são comuns, fazem parte do dia-a-dia. Posso dizer que já fiz algo parecido, afinal, morei em São Paulo e só fui visitar o MASP depois de me mudar para Curitiba. Uma vergonha, eu sei. Depois dessa, eu prometi a mim mesma que tentaria visitar todos os pontos interessantes de Curitiba antes que resolvesse me mudar daqui também, rs.
E já que começamos falando das tribos celtas e presença romana na Île de la Cité, nada melhor do que terminar esse post falando da Crypte Archéologique, que fica ao lado do Hôtel-Dieu e em frente à Notre-Dame.
A Cripta abrange uma área subterrânea de 80 metros. Aqui estão os
restos arqueológicos descobertos durante as escavações realizadas entre 1965 e 1970 da aldeia dos Parisii. Ruínas do tempo em que a Cidade Luz era a Terra do Pântano. De lá para cá quanta história contida nesse pedacinho de chão, no coração de Paris. Uma cidade que se constrói e reconstrói a mais de 2000 anos. Dos Parisii à Revolução Francesa, de Napoleão à política internacional dos dias de hoje, quantas tribos, quantas mudanças, quantas reviravoltas que teceram não apenas a história de Paris como a da humanidade.
E ficou faltando falar de um “detalhe” da Île de la Cité. Sim a magnífica Cathédrale Notre-Dame de Paris! Mas a Notre-Dame não caberia aqui, essa velha senhora, moradia do Quasímodo, precisa de um post somente para ela. Fica para o nosso próximo assunto.