O que há para ver na medina de Fès
Em Fès el-Bali (cidade antiga) é onde estão a maioria dos pontos turísticos de Fès. Só para se ter uma idéia, são 10.572 construções de interesse histórico, incluindo 185 mesquitas, numerosas medersas (universidades corânicas), vários palácios, o interessante curtume, além de restaurantes típicos e souks para comércio de tapetes, couro, especiarias, metais, etc.
Por tudo isso, Fès el-Bali entrou em 1981 na lista de patrimônios protegidos pela UNESCO, que atualmente promove a restauração de várias contruções e também da muralha ao redor da medina. Bom, simplesmente estar na medina já vale a pena, pelo fato de ser o lugar onde se vê o cotidiano puro do marroquino, sem a interferência da colonização européia, mas visitar os pontos turísticos existentes ali dentro é melhor ainda. Com certeza, estando em Fès, a medina medieval é o lugar onde se deseja passar a maior parte do tempo.
Nosso dia de exploração da medina começou passando pelo portão Bab Ftouh, um dos principais portões de acesso. Seu nome é devido ao príncipe Zenet, conhecido como Ftouh, que restaurou o portão até então chamado Bab Al-Qibla, dando seu nome a ele. Mesmo sendo famoso, ele não é um dos mais bonitos, na minha opinião. Seu desenho é robusto, quadrado e com linhas retas. No entanto, apesar da sua aparente simplicidade, não resta dúvida de que o portão seja realmente imponente devido ao tamanho e força de seu desenho.
O Bab Ftouh é um dos 4 principais portões de acesso para Fès el-Bali, juntamente com os portões Bab Boujeloud, Bab er R’cif e Bab Guissa. Esses portões servem como referência para caso alguém se perca no labirinto formado pelas ruelas da medina. Por trás desses portões há muito mais do que podemos imaginar ou esperar. Há um lugar onde a modernidade, máquinas, tecnologia e outros aspectos da vida moderna ainda não dominaram o cenário.
Porém, não foi pelo Bab Ftouh que entramos na medina na nossa visita durante o dia, e sim pelo Bab er R’cif, um portão mais centralizado e melhor localizado. O Bab er R’cif possui um desenho mais trabalhado, sendo formado por um arco maior central ladeado por dois arcos menores. Em frente, há uma praça com várias pessoas transitando, assim como muitos ônibus de turismo, já anunciando a grande movimentação dentro da medina.
No local há vários guias oferencendo seus serviços. É mais seguro escolher os guias oficiais para acompanhar na visita à medina. No entanto, se optar por escolher um guia, é melhor deixar bem claro para ele se deseja ou não fazer compras, caso contrário ele levará somente para conhecer as lojas para turistas.
O primeiro lugar que visitamos, após muito andarmos pelas ruas cheios de curiosidade, foi a Place Seffarine, um lugar aberto, em contraste com as ruelas onde pessoas e animais se espremem para conseguirem se locomover. Essa é a região do Souk das lojas de objetos de cobre e prata. Esclarecendo melhor, todo o comécio na medina está divido em souks de acordo com o tipo de artesanato ou produto vendido, então existem os souks para compras de tapetes, couro, henna, especiarias, etc.
Nesta praça se concentram os responsáveis por uma das profissões mais antiga de Fès, os artesãos que fabricam vasos, bandejas, candelabros, lustres, caldeirões e outros utensílios de ferro, cobre e prata. São objetos que enchem a vista, sendo muito procurados para casamentos e festivais pelos nativos, além dos turistas ávidos por compras, obviamente.
A Place Seffarine é a principal porta de entrada para a Biblioteca Kairaouine, que abriga mais de 32.000 manuscritos, incluindo textos sobre islamismo, matemática e ciência.
A biblioteca faz parte do complexo formado pela universidade mesquita construída em 857 e tida como a mais antiga do mundo árabe. A fundação da universidade marca o início da Idade de Ouro de Fès.
A partir dessa época, houve um aumento das construções de mesquitas e foundouks na cidade, além de residências de luxo (algumas transformadas em belas lojas hoje em dia) e medersas (universidades).
Com isso, Fès acabou por se tornar a capital de um vasto império com comerciantes, artistas, estudiosos e estudantes de todo o mundo árabe reunindo-se em seus portões. Sua influência cultural e espiritual foi tamanha que a cidade chegou a ser referida como a “Atenas de África”.
Durante muitos séculos, a universidade Kairaouine foi a única fonte de estudo do Marrocos, daí a fama intelectual que permeia até hoje a cidade de Fès, motivo de orgulho para seus habitantes.
Não muçulmanos podem entrar e tirar foto na bela escadaria azul, mas não podem passar desse ponto.
A mesquita Kairaouine foi fundada pela filha do sultão Fatima el Fihria. Seu nome se origina da cidade de Kairouan, na Tunísia, cujos imigrantes costumavam viver nas proximidades. Ela faz parte de um dos importantes locais para ensino do islamismo e é considerada pelos marroquinos como o santuário dos santuários para oração e meditação.
É a única construção almorávida ainda em uso. Mais tarde, as dinastias almoáda, merenida, saadiana e alaoíta deixaram suas características no prédio. Sua forma atual foi conseguida no ano de 1135 pelo sultão almorávida Ali ibn-Yusuf. No início o local era pequeno, porém, posteriormente recebeu várias restaurações. Uma delas feita por artistas andaluzes que realçaram a arte moura-hispano, com portas e arcos feitos com cedro. A mesquita agora se extende por uma grande área dentro da medina e possui 14 entradas, com capacidade para até 20.000 pessoas.
Como é de esperar, é proibida a entrada de não mulçumanos, mas, se as portas estiverem abertas, podemos apreciar uma parte de seu interior do lado de fora das portas de cedro. Dessa forma dá para ter uma idéia do tamanho que a mesquita ocupa. Até a construção da mesquita Hassan II em Casablanca, a Kairaouine era a maior mesquita do Marrocos. O desenho interior da mesquita é similar à existente em Córdoba, com um pátio aberto e uma grande fonte no centro.
Saindo da Place Seffarine, fomos caminhando até chegar no Fondouk Tetouani. Fondouks eram centros mercantis utilizados como casas de comércio, hotéis e armazéns. No geral, eles estão localizados ao longo das principais vias da Medina (Talaa el Kibira, Talaa Sghira, Ras Cherratine e Nejjarine) e próximos aos portões principais.
O Fondouk Tetouani foi fundado no século 14 por comerciantes vindos da cidade bérbere Tétouan, localizada no nordeste do Marrocos, daí seu nome. Originalmente o local servia como hotel para os comerciantes em viagem. Hoje em dia, a construção merenida é um lugar para vendas de tapetes. Pode-se entrar no fondouk sem a obrigação de comprar algum tapete, pois há um pátio central próprio para visitação.
Saindo do Foundouk Tetouani, vimos outra mesquita conhecida como Sidi Ahmed Tijani. Essa mesquita é dedicada aos peregrinos vindos do oeste africano em direção à Meca, a cidade sagrada para o Islamismo. A mesquita do século 18 contém a tumba de Sufi Shaykh, fundador da ordem Tijani.
A mesquita é facilmente reconhecida pelo belo minarete decorado com azulejos verdes e a porta no canto com desenhos pintados em tons vermelhos. Assim como as demais mesquitas da medina, a entrada é proibida para não muçulmanos.
Seguindo nossa visita à medina, chegamos em um dos lugares mais sagrados para os habitantes de Fès, a Zaouia Moulay Idriss II, localizada no coração da medina. Zaouia é uma mesquita construída ao redor da tumba de um santo do Islamismo, chamado de marabout. Nesse caso, a zaouia abriga o túmulo de Moulay Idriss II, fundador da cidade de Fès. Foi originalmente construída no século 6 em honra ao fundador da cidade e mais tarde restaurada pelos merenidas no século 13.
Ao lado das mesquitas Kairaouine e Koutoubia (em Marrakech), a zaouia Moulay Idriss II é uma das mais importantes mesquitas construídas. A zaouia possui uma grande barra de madeira entalhada que sinalizava o lugar onde cristãos e judeus não podiam mais passar. Os muçulmanos que passavam desse ponto podiam pedir asilo, caso estivessem fugindo da polícia, pois era proibido fazer qualquer prisão na área considerada sagrada.
Como o esperado, é proibida a entrada de não muçulmanos, mas é possível observar seu interior do lado de fora e os belos trabalhos em zellij (azulejos) que existem no local. Também é possível avistar o túmulo de Moulay Idriss II.
A zaouia é local de constante peregrinação, especialmente por mulheres devotas de Moulay Idriss II, que vão em busca de baraka ou boa sorte e fertilidade. Em uma das paredes da zaouia existe uma abertura própria para inserir cartas com os pedidos ou envelopes de doações.
Depois da Zaouia, fomos almoçar, visitar algumas lojas e saímos da medina. No tempo em que ficamos fora, aproveitamos para visitar o Palais Royal ou Dar El-Makhzen (Palácio Real), localizado na Place des Alaouites, em Fès El Djedid (Ville Nouvelle). Este magnifico palácio, construído no século XIII pelos merenidas, possui imponentes portas de bronze e ocupa uma área de nada menos que 80 hectares. O Palácio tem a reputação, notadamente merecida, de estar entre as construções mais elegantes do Marrocos.
Infelizmente, o palácio não é aberto à visitação, mas a simples visão da sua fachada já compensa. Dá para imaginar como é seu interior.
Enquanto estávamos na frente do palácio, um fotógrafo apareceu para tirar fotos dos turistas. No dia seguinte, ele estava vendendo as fotos na porta do nosso hotel. Isso acaba sendo algo bem comum no Marrocos. No entanto, deve-se tomar cuidado quando for tirar fotos que apareçam outras pessoas, pois eles tem o costume de pedir dinheiro quando percebem que saíram em alguma foto de turista. Além disso, também é considerado ofensivo tirar fotos das mulheres, especialmente daquelas usando a burca.
Perto do Palácio Real, ainda em Fès El Djedid fica o bairro judeu Mellah, fundando pelo sultão no final do século XVI para a comunidade judaica que habitava em Fès. Seu nome deriva da palavra árabe melh, que quer dizer sal.
O bairro difere dos outros locais em Fès pela arquitetura de suas casas. As moradias árabes possuem como característica principal o átrio ou jardim no meio da casa cercado pelos quartos, que são distribuídos ao redor do átrio. Com isso, a fachada das casas é, em geral, bem simples, ao contrário do seu interior. Já as casas judias possuem janelas, sacadas e decorações voltadas para o exterior, parecidas com as nossas mesmo.
Retornamos para a medina à noite, entrando dessa vez pelo portão de acesso mais famoso e mais bonito, o Bab Boujloud, um monumental portão decorado com zellijs azuis, localizados na face externa do portão, representando a cor de Fès, e verdes, no lado interno do portão, representando a cor do alcorão. Apesar da aparência supostamente antiga, esse é o portão mais novo da medina, construído em 1913 pelos franceses durante o protetorado.
As construções ao redor do portão também são recentes, há vários restaurantes e cafés no local. Alguns deles com belos terraços para uma melhor visão da medina e suas construções.
Do Bab Boujeloud já se avista a Medersa Bou Inania, construída no século XIII pelo sultão merenida Abu Inane, do qual deriva seu nome. Medersas são escolas teológicas, onde se ensina o Alcorão. A Medersa Bou Inania é a maior e mais conhecida medersa merenida em Fès. Ela funciona como escola e local de oração. A construção é impecável, sua porta é de bronze e os degraus decorados com ônix e mármore, enquanto o minarete é decorado com mosaicos de madeira de cedro.
Próximo à medersa está o relógio de água feito de madeira entalhada em um friso. Reza a lenda que foi construído por um mago. Independente de ter sido ou não, é difícil imaginar como o relógio funciona. Abaixo dele tem um restaurante chamado Café Clock.
Terminamos o dia andando pelas ruas da medina, vivenciando toda a movimentação da multidão às vésperas do importante feriado religioso chamado Sacrifício de Abraão, com toda agitação no comércio e bancas que vendiam especiarias, perfumes caseiros, especiarias, coentro, menta (expostos no chão) e até mesmo dentaduras, que são experimentadas pelos clientes antes de compra-las (arghhhh!).
Saímos da medina próximo ao portão Bab Chorfa, conhecido como o portão dos nobres e construído em 1069.
Com certeza ainda há muito mais a ser visto, mas infelizmente tínhamos apenas um dia para visitar a medina. O tempo é curto para apreciar toda a riqueza cultural e arquitetônica de Fès el-Bali.
Após nossa bela visita à medina, retornamos ao nosso hotel para um delicioso jantar de tajine de carneiro e carne de caça com música ao vivo e uma muito esperada apresentação de dança do ventre, partes da cultura marroquina que serão melhores descritas em um próximo post.
2 Comentários
ilca maria sabadini giacomin
cheguei segunda feira agora dia 21.04.2014 de fes, marrakech, Rabat, casableanca e tanger passeio inesquesível as medinas só visitando. é o diferencial que eu procurava. valeuuuuuuu!!!!!!
Valeria Di Mambro
Que bom que gostou! Realmente Fés é inesquecível.
Abraço