Alemanha,  Europa

Procurando pelo Muro de Berlim

Um dos lugares que eu mais queria conhecer em Berlim era, claro, o Muro de Berlim (Berliner Mauer). No entanto, isso se mostrou uma tarefa nada fácil.

Comecei a procurá-lo tendo em mãos meu mapa pequeno e incompleto, o que na verdade não foi de ajuda alguma. Quando perguntava para as pessoas na rua, cada uma me apontava uma direção diferente. Embora a direção variasse, todos me respondiam com a mesma frase padrão: “Ah, o muro? Ele não existe mais”. Bom, isso o mundo inteiro já sabe.

Um pedaço do muro em uma loja de souvenirs na Unter den Linden

O fato de todas as pessoas negarem a existência do muro, mesmo que ele já tenha caído, me chamou a atenção.

A impressão que me deu é que eles não gostam de tocar no assunto e, por isso, o mesmo acabou sendo abafado. Outro fato que colabora com a minha percepção é que para todas as atrações de Berlim há várias placas indicando a direção, menos para o afamado muro.

Na minha procura pelo Berliner Mauer, acabei conversando com várias pessoas, que de uma forma ou outra tentavam me ajudar, porém sempre afirmando que não havia muro algum.

Uma dessas pessoas foi um senhor já idoso e muito simpático. Ele era italiano e me falou que estava lá apenas para visitar o filho. Se desculpou porque só falava italiano, o que na verdade para mim, soou como um alívio.

Depois de tentar me comunicar com vários alemães que não falavam inglês, empregando a linguagem universal dos gestos, poder conversar com alguém em italiano era, para mim, muito agradável.

Após conversar com o senhor e depois com seu filho que era dono de um restaurante em Berlim, continuei minha procura pelo muro inexistente.

Um dos momentos mais cômicos da minha busca foi quando perguntei para dois rapazes que encontrei na rua. Ambos tinham quase o dobro da minha altura.

Como o esperado, o primeiro deles falou que não existia nenhum muro. Já cansada de ouvir isso respondi “Mas nem um pedaço? Um pedaço pequeno já serve para mim. Eu quero ver só um pedaço”.

Acho que minha resposta pouco educada os fez mudar de idéia. O segundo rapaz resolveu me explicar onde estava o que havia restado do muro. O problema é que, além de quase não falar inglês, ele era gago.

Apesar do cansaço por estar andando o dia todo em Berlim, e mais especificamente agora na parte oriental atrás do muro, nesse momento me deu muita vontade de rir. Entender o que aquele alemão gago me explicava era uma missão quase impossível. Bom, agradeci-os pela ajuda e continuei minha procura pelo muro.

Pedaços do Muro na Potsdamer Platz

Uma senhora muito idosa me parou em uma esquina e começou a conversar comigo. Ela era tão branca que parecia um fantasma. Era baixinha e magrinha e usava um lenço na cabeça deixando escapar somente alguns fios de cabelos tão brancos quanto sua pele. Não entendi uma palavra do que ela me falou. A senhorinha era muito amável e falava sem parar. Novamente a imagem do alemão fechado, que não gosta de conversar, mostrou-se ser não tão verdadeira, afinal outras pessoas também foram bastante tagarelas comigo, como já comentei no post sobre o Brandenburger Tor. Além da senhora ter me chamado para conversar, era ela quem mais falava.

Eu gostaria de ter entendido o que ela me dizia pois poderia ter lhe dado mais atenção. Acho que no fundo ela só queria conversar com alguém, mesmo que essa conversa não passasse de um monólogo. Afinal eu me limitava a apenas ouvir e lhe dizer que não falava alemão (minha frase mais padrão em Berlim: Ich spreche kein Deutsch, as demais palavra que aprendi incluiam as básicas Bom dia, por favor e obrigado, e no caso da Alemanha, lógico que também cerveja: Guten tag, bitte, danke e a melhor de todas, weiss beer ).

A simpática vovó se despediu de mim e eu voltei para minha busca, já que eu estava decidida a não voltar para o albergue antes de encontrar o muro. A essa altura eu já havia me livrado do meu mapa inútil. Ah, que falta fazia um GPS nessa época!

Um garoto de bicicleta me falou que no chão haviam alguns sinais que indicavam onde o muro passava. Decidi seguir os paralelepípedos que discretamente indicavam o local do muro. Porém nem sempre esses paralelepípedos mostravam alguma constância.

Mapa indicando o local onde antes havia o Muro. Fonte: Wikipedia

Encontrei outro rapaz que jogava água na grama de sua casa e lhe perguntei do muro. A cada pergunta que eu fazia ele me respondia que estava calor e se eu não queria um pouco de água! Desisti de continuar a conversa, agradeci e continuei andando, antes que ele acabasse me molhando com a mangueira que acompanhava cada gesto que ele fazia (mais um alemão que fugia a regra, esse gesticulava enquanto falava!).

Foi então que vi um motorista de ônibus de excursão. Ele com certeza saberia onde se localizava o muro. Adivinhem o que ele me respondeu. “O muro não existe mais”. Bom, apesar das poucas palavras do motorista mal humorado, virei a esquina onde estava estacionado o ônibus e finalmente….

Lá estava um pedaço do que antes era a Berliner Mauer no lado oriental.

A essa altura eu estava tão cansada da longa caminhada que meu primeiro pensamento foi: ”Mas que muro feio!!!”

Porém não são apenas o concreto velho e os ferros retorcidos no alto que fazem do Muro um triste espetáculo. Sua história é mais feia do que sua cinzenta aparência.

Um trecho do que antes era o Muro de Berlim no lado oriental

A construção da Berliner Mauer começou em um domingo em 13 de agosto de 1961. Foi motivada pelo desejo da República Democrática da Alemanha de impedir que moradores do lado oriental fugissem do regime soviético indo em direção do lado ocidental ocupado pelos americanos, ingleses e franceses.

O fato de Berlim ser uma cidade controlada metade pelas forças ocidentais e metade pela ocupação soviética gerou uma zona de tensão entre as potências com ideologias tão diferentes. Enquanto isso, mais pessoas fugiam do comunismo adotado do lado oriental, estima-se que 1500 pessoas passaram para o outro lado de Berlim.

Concreto, ferro, minas e guardas para barrarem a liberdade humana

Não demorou muito para que os rumores sobre a construção de um muro que dividiria a cidade se tornassem reais. Em uma operação de apenas 24 horas, as ruas de Berlim foram ocupadas, barricadas de pedras foram erguidas, tanques colocados em pontos estratégicos e os serviços de trem e metro interrompidos. Em apenas 1 dia, o lado ocidental foi completamente separado do lado oriental.

Nesse mesmo dia, os habitantes do lado soviético foram proibidos de passarem para o lado americano, inglês e francês.

A resposta soviética para as críticas internacionais foi que aquele era um muro de proteção anti-facista e que ele havia sido levantado para evitar uma terceira guerra mundial. Estava mais do que instalado o período da Guerra Fria.

Painel no Memorial do Muro mostrando a sua construção

Entre 1961 e 1989, período da existência do Muro, mais de 100.000 cidadãos da República Democrática Alemã tentaram escapar através da fronteira. Estima-se que pelo menos 600 pessoas foram assassinadas durante as tentativas de fuga. Os guardas da fronteira recebiam ordens de atirar para matar em qualquer um que fosse ou ao menos se parecesse com um fugitivo.

As pessoas tentavam fugir pulando das janelas dos prédios localizados na fronteira, por túneis cavados por baixo do muro, desviando dos tiros dos guardas e das minas localizadas entre as paredes do muro ou de quaisquer outras formas que fossem encontradas.

Esquema mostrando como eram as barreiras do Muro por dentro

O Muro por dentro:

1  Parede de concreto
2 Cerca de arame
3 Tiras de controle
4 Projetores
5 Trincheira anti-veículo
6 Fronteira ultraperiféricas da área aberta
7 Patrulha rodoviária da fronteira
8 Cães de patrulha
9 Dispositivo de sinal
10 Torre de observação
11 Cerca elétrica

Números do Muro de Berlim:

O comprimento total da fronteira com Berlim Ocidental: 155 km
Fronteira interna entre Berlim Oriental e Ocidental: 43 km
Fronteira externa entre Berlim Ocidental e Oriental: 112 km
Passagens de fronteira entre Berlim Oriental e Ocidental: 8
Torres de observação: 302
Cães de patrulha: 259
Trincheiras anti veículos: 105,5 km
Cercas elétricas: 127,5 km
Estradas de patrulha das fronteiras: 124,3 km

Quando a Cortina de Ferro começou a dar sinais de fraqueza, a queda do muro parecia inevitável. Na noite de 09 de novembro de 1989 Gunter Schabowski, Ministro da Propaganda, leu uma nota em uma conferência de imprensa anunciando que as fronteiras seriam abertas para “viagens privadas ao estrangeiro”. Bom, ao que parece ele se esqueceu de dizer a partir de quando as fornteiras seriam abertas.

A notícia se espalhou como fogo e milhares de alemães se dirigiram imediatamente para os postos de controle exigindo passagem. A confusão se estabeleceu no local e os guardas não tiveram outra alternativa senão deixar a multidão passar.

Era o fim do Muro de Berlim!

Berliner Mauer e o Memorial ao fundo, onde há fotos históricas sobre o Muro

Os dias que se seguiram foram repletos de celebrações felizes. Centenas de berlinenses começaram a quebrar e derrubar o triste muro. Este evento histórico foi o primeiro passo para a reunificação da Alemanha, que foi formalmente celebrada em 03 de outubro de 1990.

Comemoração da queda do Muro de Berlim em 1989. Fonte: Wikipedia

Agora que já sei localizar os restos do Muro de Berlim posso dizer onde eles são encontrados.

Existe um pedaço e também um memorial na Bernauer Strasse, em frente ao Neiderkirchnerstrasse, o Parlamento de Berlim. No Memorial do Muro construído há algumas fotos históricas emocionantes. Uma delas mostra pessoas acenando com lenços próximas ao muro para que seus parentes do outro lado soubessem que estavam vivas. Também há uma foto da igreja que foi cortada ao meio para que o muro passasse por ali.

Uma das fotos existentes no Memorial do Muro

Alguns projetos também estão em curso para melhor sinalizar o local por onde o Muro passava. Na Potsdamer Platz há alguns pedaços do muro e no chão há paralelepípedos e placas indicando o local por onde o muro passava.

Placa indicando por onde o Muro passava na Potsdamer Platz
Pulando o Muro de Berlim

Bom, para encerrar esse post, adiciono aqui dois emocionantes vídeos com imagens históricas da queda desse terrível muro levantado. Um muro feito de concreto, ferro, cercas elétricas, minas, cães e guardas que durante 28 anos manteve famílias, amigos, enfim, pessoas de uma mesma nação separadas. Uma terrível consequência de guerra que constituia um ultraje a qualquer direito humano.

Sabendo de toda a infelicidade que o Muro causou para os berlinenses durante longos 28 anos, no final das contas, a melhor resposta que eu poderia ouvir ao perguntar onde estavam os restos do muro era justamente a que eles me davam:

Ah, o Muro? Ele não existe mais!

Mais informações:
http://www.berlin-life.com/berlin/wall
http://www.berlin.de/mauer
http://www.chronik-der-mauer.de

5 Comentários

  • Julia

    Adorei o post. To aqui criando coragem pra ir a Alemanha, por isso achei seu blog.
    Topa me dar uma ajudinha?

    bjs

    • Valeria Di Mambro

      Olá Júlia, tudo bem? Claro que te ajudo no que eu puder. Crie coragem sim, pois a Alemanha é muito bonita. Já fui 2 vezes para Berlim e pretendo voltar para conhecer melhor o interior do país. Berlim é uma cidade organizada, bonita e limpa. Vale a pena visitar.
      Abraço

  • Julia

    mandei um convite pra alguém no FB que acredito q seja vc… se for, sou eu, Julia.
    Desculpa. Queria trocar umas ideias.
    bjs

  • KillerDAN

    A Norte do Checkpoint Charlie, cerca de meio kilometro, junto ‘a Topografia dos Horrores tambem existe uma seccao do muro original.

  • Enio Lauro Raddatz

    Olá! Adorei a reportagem ref ao Murro de Berlim. Estive em Berlim, visitei o “Murro” e percorri o interior da Alemanha. Falo, leio e escrevo alemão. Sou descendente de alemães…sou segunda geração no Brasil.
    Disponham da gente! Enio.

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